Prazo mínimo para segurar a posição em novas emissões passa a ser de 9 ou 12 meses, a depender do produto; bancos já se ajustam às mudanças.
Mas já há ao menos um veredito: é hora de se preparar para o adeus aos prazos de carência de 90 dias nas letras de crédito com liquidez diária.Afinal, as regras já estão valendo para novas emissões que ainda não haviam sido protocoladas na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Isso significa que o investidor terá que esperar de 9 a 12 meses desde a data da aplicação para ter liquidez diária nesse tipo de produto. Em papéis indexados a índices de preços (como IPCA), a carência será ainda maior, de 36 meses.
“Mas o efeito [da decisão do CMN] não é instantâneo. Devemos ver essas mudanças se concretizando ao longo do semestre e, até o fim do ano, isso deve transparecer de forma mais consistente nas emissões”, diz o assessor de investimentos e fundador da Casa do Investidor, Michael Viriato.
As letras de crédito são usadas por bancos para captar recursos para financiar dois setores que contam com incentivo fiscal: o de agronegócios e o imobiliário. Por darem o benefício da isenção de imposto de renda para a pessoa física, elas se tornavam mais baratas para os emissores. Sem precisar pagar imposto, o investidor aceita um retorno menor para fazer o aporte, porque, no fim das contas, ainda sai na vantagem.
“Sempre que a gente cria novas restrições, fatalmente teremos menos emissões, mas será um impacto limitado porque LCA [letras de crédito do agronegócio] e LCI [letras de crédito imobiliário] são produtos interessantes para captação de recursos no financiamentos de mercados pujantes como o agronegócio e o imobiliário. A demanda é grande para esses financiamentos”, afirma Guilherme Sharovsky, estruturador de investimentos na Bloxs Capital Partners.
De agora em diante, os prazos para esses papéis serão inevitavelmente mais longos e isso, claro, impacta nas taxas e o grau de risco. “A percepção de risco é menor quando se tem liquidez diária em um título mais curto. Quanto mais longa a emissão, maior o impacto a taxa de juros vai ter no preço do produto”, pontua Sharovsky.
O fundador da Casa do Investidor explica o cenário: a oferta desses títulos tende a ser reduzida num momento que a demanda está crescendo por causa da transferência dos investidores de fundos exclusivos. Com a nova tributação nesses produtos, esses alocadores estão buscando outros ativos com capacidade de isenção de IR.
“O momento parece oportuno, mas a mudança do CMN foi pensada para fechar a brecha dessa migração de demanda dos fundos exclusivos. E o que deve acontecer na sequência: em renda fixa, mais demanda e menos oferta implica na queda das taxas de juros [rentabilidade do papel], o que deve aparecer nas novas emissões”, diz Viriato.
Só que, para quem já tem LCI e LCA em carteira ou deve comprar esses títulos agora, essa notícia é ótima. Com a redução dos prêmios de risco adiante, papéis com taxas e condições mais atraentes para o investidor (registrados ou emitidos antes da decisão do CMN) devem se valorizar no mercado secundário.
“Assim, esse portfólio será mais valorizado lá na frente. Mas aí cabe ao investidor decidir se vale a pena vender O título ou segurar até o vencimento. Se optar pelo último caso, não muda nada em relação ao que foi contratado”, acrescenta Viriato.
E os bancos, o que dizem?
Procurados pelo Valor Investe, Bradesco e Banco do Brasil confirmaram que devem passar a trabalhar com os novos períodos de carência de 9 e 12 meses nas letras de crédito do agronegócio (LCA) e do setor imobiliário (LCI) com liquidez diária.
O Itaú diz estar ajustando o produto às novas condições, “principalmente a de prazo mínimo de emissão. Estamos ajustando nosso portfólio às novas regras e ainda não temos todas as condições definidas, mas esta é uma condição que pode aparecer em algumas situações”, afirma o banco em posicionamento.
“Os clientes que já têm recursos já aplicados em LCI e LCA, com liquidez diária, não precisam realocar seus investimentos, dado que as medidas anunciadas não impactam o estoque. Já para novas aplicações de clientes que priorizam e precisam da liquidez, a nossa recomendação mais simples é o direcionamento para fundos DI, mais especificamente o fundo Itaú Privilège RF Referenciado DI”, afirma Martin Iglesias, especialista líder em investimentos e alocação de ativos do Itaú Unibanco.
As populares letras de crédito com liquidez diária tinham até então prazo de carência de 90 dias, isto é, não era possível resgatar os investimentos nesses títulos antes de três meses. Passado esse prazo, a posição passava a ter, de fato, liquidez diária até o vencimento do papel, o que significava que o resgate podia ser feito a qualquer momento.
Ou seja, quem investiu em 1º de março do ano passado em uma LCA com liquidez diária e vencimento em 2025 poderia resgatar seu investimento a qualquer dia a partir de 30 de maio (90 dias corridos). E esse resgate voltaria para a conta do investidor no dia da solicitação.
Na teoria, com a nova decisão do CMN, isso acabou. O prazo mínimo para resgate nesses títulos de liquidez diária passa agora a respeitar os prazos de vencimento estabelecidos pela resolução 5.119, publicada ontem, de 9 meses nas LCA e 12 meses nas LCI.
A partir de agora, só depois de passados os prazos mínimos – 9 ou 12 meses, respectivamente em LCA e LCI, a depender do produto – os investimentos podem passar a ter liquidez diária. No caso daquelas indexadas à inflação, o vencimento é ainda mais longo, de 36 meses.
Para quem costuma carregar os investimentos nos títulos até o vencimento, a mudança no prazo de carência não altera nada.
Mas para tinha as posições nas letras de crédito como reserva de emergência, as opções de investimentos em produtos isentos de imposto de renda (IR) devem ficar mais restritas.
“A princípio, esses produtos como a LCI e LCA de liquidez diária devem perder a atratividade”, explica Viriato. “Antes, os bancos tinham esse prazo de carência de 90 dias, mas os títulos tinham vencimentos mais longos. Acontece que os papéis de renda fixa são negociados no mercado secundário, então, passado o prazo de carência, os banco podem recomprar esses títulos de seus clientes e revendê-los para outros clientes.”
Posicionamentos dos bancos
O Banco do Brasil ajustou seus sistemas e portfólio para atendimento à Resolução CMN 5.119. Já está disponível a aplicação em LCAs e LCIs com os novos prazos de liquidez de 9 e 12 meses, respectivamente.
Os investimentos realizados antes da publicação da resolução não são afetados e permanecem válidas as condições e características negociadas no dia da aplicação. Os resgates podem ser realizados normalmente pelos investidores, observados os prazos de carência de cada operação.
Para clientes que tenham interesse em investir em produtos com menor prazo para usufruir de liquidez, o BB conta com um amplo portfólio de produtos, como fundos, CDB, Tesouro Direto, dentre outros.
O Bradesco deve continuar a oferecer opções de LCI e LCA com base as novas regras. A liquidez respeitará as novas medidas, 9 meses ou 12 meses dependendo do caso.
Ofertas nos canais eletrônicos não foram colocadas hoje para podermos ajustar o produto às novas condições, principalmente a de prazo mínimo de emissão. Estamos ajustando nosso portfólio às novas regras e ainda não temos todas as condições definidas, mas esta é uma condição que pode aparecer em algumas situações.
Na última quinta-feira (1), o CNM divulgou uma resolução que restringe o lastro e altera o prazo mínimo de papéis com isenção de imposto de renda, como LCIs, LCAs, CRIs e CRAs. Esta foi uma maneira de fechar o cerco contra as brechas que estavam sendo usadas pelo mercado para emitir esses títulos sem que a finalidade fosse o incentivo aos setores imobiliário e de agronegócio.
Recentemente, o estoque desses produtos alcançou R$ 1 trilhão. O governo busca alternativas para aumentar sua receita e a revisão de incentivos fiscais foi um dos caminhos encontrados para tentar alcançar essa meta. A mudança anunciada esta semana serve como uma espécie de “peneira” para evitar que as renúncias fiscais acabem sendo desviadas para outros fins.
A mudança vai de encontro à criação de novas debêntures incentivadas, títulos de crédito privado que também contam com isenção de imposto de renda para investidores. No ano passado, o governo anunciou que esses papéis poderiam contemplar seis novas áreas, como Educação, saúde e segurança pública.